26.5.06

Dedicado a um amigo e a um barco




Sentou-se no paredão e ficou a olha-lo. Ele era tudo o que desejara, por isso o seu peito, se sentia cheio de tanto orgulho. Linhas esguias, perfil aprumado, ele dançava um lento tango, muito dengoso, trocando carícias com as breves ondas que lhe beijavam o casco, quase parecia sorrir de tanto êxtase e o homem, sentado no paredão comungava a felicidade com aquele objecto inanimado, como se ele tivesse um coração, e quase podia ouvi-lo, falar-lhe ao ouvido, sussurrando baixinho um convite, um desafio:
- Vem, leva-me até onde o horizonte mergulha no mar.
O homem, sentia a ansiedade estalar-lhe o coração, estaria à altura daquele chamamento?
Sorrindo consigo mesmo, ele sabia que sim e por isso, absorvia já o prazer antecipado de segurar a adriça que daria vida à vela, içando-a direito ao céu, a mesma vela que o levaria à bolina, numa liberdade total, serena e mansa, pelo azul imenso de um mar, que lhe corria nas veias. Nem hoje sabe como lhe nasceu este prazer, mas pensa que não se importa, pois o importante, é ter este gosto, esta vontade de um dia, poder viver no mar, aproveitando-lhe a mansidão e respeitando as suas revoltas. Ele sente que calma o chama, mas também sabe, que o gosto pelo desafio estará lá, nas suas mãos de nauta, quando segurar na cana do leme e fizer cambar a embarcação, gozando as ondas, deixando o vento para trás.
Com tanto pensamento na sua cabeça, nem dera pela noite chegar. O homem levantou-se então, olhou um último olhar ao veleiro, agora engrandecido pela luz pálida que prateava a água e, acenando-lhe um adeus, murmurou sorrindo:
- Adeus Blue Sea, deixo-te aqui no sossego do estofo da maré, mas amanhã voltarei e juntos, partiremos à descoberta de todos os segredos que encerra este mar.

Sem comentários: