9.10.07

A FLoresta (excertos)



I

Era uma vez uma quinta toda cercada de muros.
Tinha arvoredos maravilhosos e antigos, lagos, fontes, jardins, pomares, bosques, campos e um grande parque seguido por um pinhal que avançava quase até ao mar.
A quinta ficava nos arredores de uma cidade. O seu pesado portão era de ferro forjado pintado de verde. Quem entrava via logo uma grande casa rodeada por tílias altíssimas cujas folhas, dum lado verdes e do outro quase brancas, palpitavam na brisa.
Era nessa casa que morava Isabel.
Isabel nesse tempo tinha onze anos e por isso ia todos os dias da semana ao colégio, baloiçando a sua pasta cheia de livros ora numa mão ora na outra.
Mas às quatro horas voltava para casa, lanchava a correr e saía para a quinta.
Isabel não tinha irmãos e por isso sabia brincar sozinha e conversar com as árvores, com as pedras e com as flores.
Todos os dias ela percorria a quinta. No Outono apanhava castanhas esmagando com o pé os ouriços verdes. No Inverno colhia violetas e camélias. Na Primavera trepava às cerejeiras para comer as primeiras cerejas doces, escuras e vermelhas. E também subia às árvores onde todos os anos havia ninhos, ninhos redondos feitos de ervas, folhas secas e penas e que tinham lá dentro quatro ovos verdes sarapintados de castanho. Caminhava por entre o trigo que era como um doce mar, aéreo e leve. Às vezes passava horas a ler sob o caramanchão onde as flores lilases das glicínias pendiam em grandes cachos perfumados rodeados de abelhas. Ou caminhava devagar na luz verde do parque escutando o rumor das altas copas dos plátanos. E conhecia o lugar onde, escondidos entre as ervas e folhas, cresciam os morangos selvagens.
Em geral Isabel brincava sozinha. Mas às vezes passeava com o velho jardineiro chamado Tomé que era seu grande amigo. Tomé ensinava-lhe os nomes das árvores e das flores e Isabel ajudava-o a regar e a arrancar ervas más. E também com Tomé ela ia aos sítios onde não podia ir só. Pois a porta da estufa, a porta do galinheiro e a porta da adega estavam sempre fechadas à chave. Na estufa enorme, sob o telhado de vidro caiado, o ar era húmido e quente. Aí cresciam as avencas maravilhosas, finas e leves, as begónias roxas, as orquídeas verdes e sarapintadas com o seu ar de bichos venenosos, e outras plantas e flores que tinham nomes esquisitos escritos numa placa de alumínio atada aos seus pés com ráfia.
No galinheiro Isabel distribuía o milho e logo uma multidão de galinhas a cercava cacarejando. Então ela gritava «Peru velho». E o peru logo respondia inchando todas as penas: «Glu, glu, glu». E havia sempre uma nova ninhada de pintos amarelos e castanhos. Isabel apanhava-os do chão com muito cuidado, rodeando com as duas mãos o leva calor das suas penas onde palpitava um pequeno coração rápido e aflito.

[...]

II

Era no mês de Outubro, num sábado à tarde. Nos sábados à tarde Isabel não tinha aulas.
Por isso, mal acabou o almoço, saiu par a quinta.
O tempo estava ainda muito quente e nem uma erva bulia.
Isabel dirigiu-se para um pequeno bosque que ficava perto da casa.
Era um lugar muito solitário onde nunca passava ninguém.
Mesmo o jardineiro era raro ali ir pois naquele lugar tudo crescia selvagem e não havia canteiros nem flores.
O chão estava todo coberto de musgo e das altas copas das árvores descia uma sombra trémula atravessada aqui e além por raios doirados de sol.
Isabel estendeu-se ao comprido no chão junto dum carvalho e começou a ler. Mas o livro maçou-a e ao fim de um quarto de hora ela pousou-o a seu lado e começou a olhar um carreiro de formigas que avançando através de musgo se dirigia para um buraco que ficava perto da árvore. Então o olhar de Isabel pousou no tronco do carvalho. Era escuro, enorme e rugoso e seriam precisos três homens para o abraçar. As raízes saindo um pouco da terra formavam arcos e cavidades que lembravam pequenas cavernas.
- Um sítio bom para morarem anões - pensou Isabel.
Este pensamento interessou-a extraordinariamente.
Aos sete anos, logo que tinha aprendido a ler, Isabel tinha lido a história da Branca de Neve e dos Sete Anões. Pensava muitas vezes nessa história. Parecia-lhe que viver entre anões devia ser uma coisa maravilhosa. Imaginava as casas dos anões, os seus palácios enterrados na terra como as luras dos coelhos ou escondidos em lugares solitários, dentro do tronco das árvores.
- Queria ver um anão - pediu ela à sua criada Mariana.
- Não há anões: isso são histórias que vêm nos livros - respondeu Mariana.
Mas Isabel não acreditou.
Durante meses procurou os anões entre as pedras e as plantas e as ervas do parque. Mas nunca encontrou nenhum. Por isso acabou por se convencer de que Marina tinha razão.
Mas agora, em frente das raízes do velho tronco, pensava:
- É pena não haver anões. Podia-se fazer aqui uma casa, óptima para anões.
E tendo meditado alguns momentos resolveu fazer ali uma casa pequenina e imaginar que os anões viriam morar nela.
[...]

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excertos de a floresta, edição e distribuição Livraria Figueirinhas Lisboa.

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