9.1.08

Pedro Paixão



Quase gosto da vida que tenho. Sou conhecido nalguns restaurantes, o que não significa que me sirvam melhor, mas é sempre bom ser reconhecido. Raramente saio à noite, mas quando o faço acabo sempre por encontrar alguém que ainda se lembra de mim e quando volto a casa tenho comprimidos que fazem dormir. Por vezes durmo com uma rapariga e faço o que se deve fazer e o prazer vem e passa como um alívio. Não espero encontrar ninguém, a minha melancolia é-me suficientemente querida. Não tenho saudades de pessoas, só de sítios e de coisas. Em particular há um frigorífico que guardo zelosamente na memória. Ainda subsiste algures porque a matéria é a única coisa que resiste.

De que gosto? De literatura, whisky escocês e de adormecer logo. O trabalho é um rentável entretêm que me ocupa as horas mortas. Vejo filmes em casa, de todas as serias. Incomodam-me os barulhos das pessoas sentadas ao meu lado e gosto de rever as cenas mais macabras. Por isso vivo sozinho. Quando preciso, conheço um massagista que é negro e silencioso como a noite. E de Inverno nado.

A minha mulher-a-dias vem todos os dias quer esteja ou não constipado. Se fosse mais bonita e menos surda casava com ela sem qualquer preconceito. Já julguei ser um génio. Agora acho-me um mero mortal desencontrado. Vivo, é já o bastante. Não vou a nenhum lado, mas isso tu já sabias.

Sim, meu amor, esta é a vida que levo. E raramente penso em ti como agora. Não te arrependas de nada. Por hoje já bebi o bastante. À tua saúde.



de “A minha vida” em A noiva Judia, Cotovia
imagem:Hinata - art.commongate

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