26.4.08

David Mourão Ferreira




Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo.
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,

às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...?

E o ventre, inconscientemente como o lodo?...
E o morno gradeamento dos teus braços?

Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo...

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;

no parque da memória o fugidio
Vulto da Primavera em pleno Outono...

Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!


de Obra Poética - 1948-1988, introdução de Eduardo Prado Coelho, Presença, Lisboa, 1996
Imagem: Allan jenkins

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