8.4.08

Rui Cóias



Cubro toda a terra daqui.
Dizem que é efeito das ilhas, já o pressinto.
As nuvens enegrecem no canal enquanto te digo isto.
Há também algo de nocivo nisto, eu sei. Tu sabes.
Talvez venha a tornar-se a voz numa sombra – é o
que dizem, ao chegar a estação das beladonas.
Foi após embarcares que senti tudo isto,
que comecei a confundir a noção dos dias,
o tempo que trazemos nos relógios.
Chego a tremer com o silencio do planalto,
com o cheiro a cânhamo nas furnas e
da neblina limosa formando-se em torno delas.
Acontece-me ter perdido alguns nomes,
outros lugares parecem-me vagos,
ausentes noutro corpo talvez esquecido, em extinção.
Mas descansa não é por vontade, é mesmo assim, já tinha dito.
É talvez porque o que fomos se apagasse e
só pudéssemos esperar
e uma sombra nos cresça na voz, cada vez mais.
Tu dirás isso ai à tua maneira, se
quiseres – já agora não o esqueças.
Vou ficando semanas seguidas cá em cima,
sem descer à costa.
Aqui aguardo que me tragam as cartas, as tuas,
e não julgues que não dei conta dessa angustia.
Se soubesses como me parecem sempre um eco, o
pressagio de um mal que esta para acontecer.
Mas não são sempre elas isso mesmo,
uma voz sustentando-nos, um
medo na parte mais desconhecida da memória?

[...]



Excerto de 14. em A Função do Geógrafo, Vila Nova de Famalicão, Quasi Ed. 2001
imagem:@nthony Pete®son

Sem comentários: