6.5.08

Alice Vieira




era apenas um retrato
que um fotógrafo de ocasião nos tirou
e tinha a história de não ter
história nenhuma
(já li uma frase assim no Alberto Caeiro
desculpa)

lembro-me: nem sequer olhávamos um para o outro
embora o fotógrafo se tivesse esforçado muito
em nos mostrar felizes
mas ele não podia adivinhar que a hora da partida
se desenhava no fumo dos cafés que bebíamos
ao som triste da Anne van der Lowe no jukebox
das gares onde adiávamos diariamente
os funestos rumores do esquecimento

talvez tivéssemos estremecido um pouco
e por isso os nossos rostos ficaram
levemente desfocados
como se naquele momento tivéssemos encontrado
a mais eficaz palavra
de despedida.


de Dois corpos tombando na água, Caminho, Lisboa 2007

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