25.5.08

Carlos de Oliveira




Terra vista dos astros, breve e nua,
na luz de azebre flutua
lembrando qualquer coisa violada
que à lenta luz boiasse, abandonada.

Como a madeira onde o caruncho brame,
vermes ressoam pelo imenso fluído
e um murmúrio apavorado fui do
planeta, como se rangesse entre dentes de arame.

Andam os mortos enfeitando-se ao frio,
servindo-se das árvores para ter cabelos;
deslizam ao fulgor das estrelas, loiros, amarelos,
e fitam-se no tempo, ou no espelho dum rio?

As florestas que daqui conheço, minerais
são as manchas da terra alucinadas,
cardumes de mendigos ao poente nas estradas,
nódoas só para os olhos astrais.

No silêncio longínquo das sementes
apenas se ouve germinar o eco
de multidões remotas e dementes
uivando sobre um campo curvo, seco.

E esses clarões visíveis
que recordam o enxofre na garganta dos vulcões
são os senhores da guerra e os seus canhões,
as forjas de Wall Street e os vulcanos temíveis.

Já o fulgor mortal, azeitado,
dum presumível gás
alastra sobre o astro deitado
na suspensão intáctil em que jaz.

E a nuvem cor de verdura apodrecida,
forma de névoa sufocante,
vai, gradual, tornando dúbia e hesitante
a hipótese da vida.

Lá onde é possível, mais
que em qualquer outro chão do espaço sujo,
erguer sobre alicerces excepcionais
a pátria do refúgio.


Pesadelo de Colheita Perdida, Obras de Carlos de Oliveira, Ed. Caminho, 1992
Imagem: Jurgen Geier

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