26.5.08

Egito Gonçalves




Já um longo colar destações sucedeu diante de nós e aqui estamos, no mesmo ponto, a face erguida batida aos grandes ventos

Devagar, maciamente, dedo familiar desenhado a curva de uma face, repensamos o passado deitados sobre as dunas, enquanto uma gaivota corta a mancha da praia

Penso em ti como se não estivesses ao meu lado mordendo um cacho de uvas negras. Evitamos a vaga que ameaçava quebrar-nos a espinha; mantemos colada ao corpo a chama que nos permite respirar

O mimetismo acciona as defesas e o melhor do amor é o dar por isso, a ciência das largas aberturas por onde escapamos ao arame farpado que nos limita e ofende
O crepúsculo modifica a linha dos teus olhos, altera a renda de luz que os sobrevoa, torna sensível a penugem salina que adere à tua pele.

Os meus dentes mordem, levemente, desvendados segredos, a areia infiltra-se entre os teus cabelos…

Estremecemos unidos sob a carícia do ar, entre ervas esguias, entre sinuosos carreiros de formigas que regressam, entre silêncios lentos e pulsações dencontro, entre verde e água. A soma final é a imagem que fica para recordarmos a força deste verão.

Longe do flutuar ameaçador das bandeiras da morte, entregamo-nos aos gestos perfeitos desta hora que nos envolve como um ovo.

Assim espero continuar mesmo depois de se fragmentarem as pedras das muralhas. Os corredores que se adivinham conduzem a portas abertas a varandas de sol.

Com uma larga cana tridentada danzóis um pescador arranca aos rochedos um pequeno polvo. O dia naufraga cor de tangerina e os ruídos crescem dintensidade, isolados na sombra solar que zebra as ondulações do areal.

Escreverei o meu amor a giz para iluminar as paredes solitárias


Meditação sobre uma dunaMemória de Setembro em A Mulher, antologia poética coordenada e prefaciada por Natália Correia, edição artemágica

Imagem: glitterscene

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