7.5.08

Os três Reis do Oriente (excerto)

GASPAR

I

Naquele tempo, na cidade de Kalash, o príncipe Zukarta instaurou o culto do bezerro de oiro.

A estátua poisava nas multidões submissas os seus olhos espantados, muito abertos, pintados de branco e de preto. No fundo das suas pupilas aflorava quase uma interrogação, como se a extensão do seu poder o surpreendesse. Era um jovem bezerro de pequenos cornos torcidos e pernas musculosas, de testa obtusa, curta e franzida. As suas quatro patas, firmemente poisadas na terra, davam uma grande impressão de firmeza e estabilidade que tranquilizava o coração dosa fiéis. E em todo o seu corpo brilhava o oiro, compacto, duro, pesado, faiscante.

Em frente do ídolo as mulheres curvadas sacudiam sobre o mármore claro dos degraus os sombrios cabelos quase azuis. Dos confins do deserto, dos longínquos oásis, das aldeias perdidas, chegavam homens que depunham em frente ao altar a sua oferta: vinham oferecer oiro ao oiro, e os homens bons de Kalash, juízes e chefes guerreiros, desfilavam reverentes em frente ao bezerro, atrás deles vinham os comerciantes, os vendedores, os oleiros, os tecelões. Beijavam os degraus do altar e depunham no chão a sua oferta: traziam oiro ao oiro, até os sacerdotes da Lua e os seus fiéis e acólitos se prostravam, de joelhos, com a cabeça tocando o solo, em frente do ídolo novo de Kalash.

Zukarta olahava todas estas coisas com grande alegria, pois o culto do oiro era o fundamento do seu poder.

Raros eram aqueles que não acorriam ao templo, cada vez mais raros. Os muito pobres, os muito envergonhados, os muito humilhados, não ousavam apresentar-se. Eles eram como uma raça à parte, pois a pobreza era olhada como o estigma que marcava aqueles que o Bezerro não amava. Não fundo das suas almas tão humilhadas que mal ousavam pensar o seu próprio pensamento, os muito pobres, os envergonhados esperam outro deus.

Eles e Gaspar.

Uma delegação de homens importantes veio ao palácio de Gaspar. E disseram:

- Porque não te apresentas no templo do Bezerro?

Por acaso te falta oiro para a oferta? Que tens tu de comum com a ralé das docas? Não estás por acaso vestido de púrpura e de linho como um rei? Porque desafias o poder de Zukarta? Serás um traidor? No culto do Bezerro está a prosperidade e a grandeza da Kalash. Estarás vendido aos nossos inimigos?

Gaspar respondeu:

- Não posso adorar o poder dos ídolos. O meu deus é outro e creio no seu advento, que a Terra e o Céu me anunciam.
[...]

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excerto de Os três Reis do Oriente em, Contos Exemplares, 35ª ed., 2004, Figueirinhas

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