6.5.08

Rosa Alice Branco (1950)



Às vezes oiço-te sob o chão do palco
sussurrando palavras que só a mim destinas.
Gostava de saber porque entro em cena
ostentando palavras de uma voz
que ninguém ouve
com a mão deslumbrante que as cria no poema.

E depois os dedos tocando o papel
um vai-vém, ora aqui, ora flecha perseguindo o alvo,
um alvo rato que se escapa pelos cantos.
Oh, o grito cego da mão por essas horas
cheias de vicio e de amor
cheias de medo de perder a tua voz invisível
e o chão secreto de onde dás alento,
oh, o medo que a mão tem de se perder das palavras,
de não acha-las nunca.

E as outras
as magnificas palavras que entram em cena pela mão de alguém?
Fico sentada a vê-las da cadeira
a ama-las como se minhas fossem
enquanto dura o acto até ao intervalo
em que as unhas furam o pano da cadeira,
esgravatam na mesa,
unhas gato correndo atrás da bola de papel.

De repente as palavras descem pela mão até aos dedos
onde a tinta jorra pela mesa
e o corpo se inclina como se fosse ajoelhar.


Joelho de papel de “A mão feliz – Poemas D(e)ícticos”, em Soletrar o Dia, obra poética; Vila Nova e Famalicão, Quasi Ed., 2002
Imagem: Nicoletta

Sem comentários: