28.1.09

Inês Lourenço



Deitar-se algumas vezes nos sulcos
do sono da noite anterior,
reconhecendo como felino domestico
o cheiro das nossas mantas. Não
lavar os dentes e sobretudo esquecer
de baixar as persianas. Coleccionar
pontas sucessivas de cigarros. Jornais
de muitos ontens e rimas
de livros lidos só três paginas. Não
endireitar a curva daquele candeeiro,
deixar as gavetas abertas
com colírios, comprimidos e roupas
À vista. Amontoar em cima da cómoda
brincos impares, perfumes sem tampa, pequenos espelhos
quebrados, alfinetes, cartas, rascunhos
e chávenas de chá servido há dias, deixar
calar-se o CD com os lieder de Schumann
afastando os sapatos de muitos caminhos
e a roupa de tantas horas.


Roteiro para um paraíso privado de Os SolistasUm Quarto com Cidades ao Fundo, Quasi Edições, Vila Nova de Famalicão, 2000
Imagem: Barbara Cole

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