O Pranto do Trigal
Veio do campo! Eu julguei que era o vento.
Até que ouvi claramente.
Era um soluço, um ai de sofrimento,
De alguém que chorava perdidamente.
Perguntei entre curiosa e surpresa:
Quem padece de tanto mal?
Que chora assim de tristeza?
Sou eu! Eu o trigal
Bem hajas, tu que me lembras a camponesa.
Eu choro atormentado de saudade e solidão
Aqueles que me cuidavam
Aqueles que me alegravam
Diz-me: Onde estão? Onde estão?
Onde estão os almocreves
Valentes abnegados?
Onde estão as parelhas?
Onde estão os arados?
Onde está o semeador
De mão ágil e fagueira?
Que bem me deitava à terra!
E chegada a primavera
Onde se esconde a mondadeira?
Como ela era bonita
Nos seus trajes enfeitados
Mangueiras com laços de fita
Avental e punhos bordados.
Se eu estava enfraquecido
Aconchegava-me o pé
De consolo enternecido
Cheguei a chorar até.
E a minha gentil ceifeira
Papoila, mulher, rosa brava
Mimosa ainda que trigueira
Como ela me enfeitiçava!
Na boca um riso, uma cantiga
Por graça eu curvava a pragana
Enleando-lhe uma espiga
Nos seus canudos de cana.
Onde está o ceifeiro possante
Desassombradamente ágil
Ajudando discreto galante
Uma ceifeira mais frágil.
Ao grito: Pessoal atem o pão!
Ai! Como eu era feliz
Mesmo tombado no chão
Separado da raiz.
Que folga eu dormia, já releiro!
Nem me incomodava a torreira
Até que o almocreve e o moleiro
Vinham buscar-me para a eira.
Vaidoso lá ia eu transportado
Em artísticas carradas piramidais
Para na eira ser alinhado
Muito juntinho em frascais.
Avizinhava-se o fim!
Mas sereno, eu não fraquejava
Antes sentia fremente em mim
Uma oração que exultava.
De fé, de alegria, jamais de tristeza.
É que toda a minha vida
Fora um carreiro de amor
Onde até a própria dor
Se transformava em cantiga.
Essa gente camponesa
Ai como me pulsava forte
No âmago de cada espiga.
Gente de corpo inteiro!
No seu todo não sei que chama
Lembram-me o audaz guerreiro
Que combatia a mourama.
Hoje é um engenho mecanizado
Que me semeia sem ternura, à deriva
E na primavera sou mondado
Com química tóxica, nociva.
Criado numa imensidão
Onde só o silêncio fala
Ao meu berço de solidão
Nem uma cantiga o embala.
Até que a máquina gigantesca, infernal
Cai sem piedade sobre mim
Ceifeira! Chamam àquele monstro sem alma
E eu revoltado perco a calma
Porque lhe chamam assim.
Ceifeira! Como a camponesa gentil
Ai, meu tormento desafiado
De franjas daria mil.
Tentando que o pobre não percebesse
Que como ele eu chorava
Digo-lhe: esquece o passado, esquece
Todo o mundo é composto de mudança
Já um grande poeta cantava.
É o progresso meu amigo.
Longos anos tolhido
Liberto fez ouvir a sua voz
Bom? Mau? Não sei, não to sei dizer
Eu só sei que por vezes faz doer
A seres assim como nós.
Poetas de Peroguarda
Veio do campo! Eu julguei que era o vento.
Até que ouvi claramente.
Era um soluço, um ai de sofrimento,
De alguém que chorava perdidamente.
Perguntei entre curiosa e surpresa:
Quem padece de tanto mal?
Que chora assim de tristeza?
Sou eu! Eu o trigal
Bem hajas, tu que me lembras a camponesa.
Eu choro atormentado de saudade e solidão
Aqueles que me cuidavam
Aqueles que me alegravam
Diz-me: Onde estão? Onde estão?
Onde estão os almocreves
Valentes abnegados?
Onde estão as parelhas?
Onde estão os arados?
Onde está o semeador
De mão ágil e fagueira?
Que bem me deitava à terra!
E chegada a primavera
Onde se esconde a mondadeira?
Como ela era bonita
Nos seus trajes enfeitados
Mangueiras com laços de fita
Avental e punhos bordados.
Se eu estava enfraquecido
Aconchegava-me o pé
De consolo enternecido
Cheguei a chorar até.
E a minha gentil ceifeira
Papoila, mulher, rosa brava
Mimosa ainda que trigueira
Como ela me enfeitiçava!
Na boca um riso, uma cantiga
Por graça eu curvava a pragana
Enleando-lhe uma espiga
Nos seus canudos de cana.
Onde está o ceifeiro possante
Desassombradamente ágil
Ajudando discreto galante
Uma ceifeira mais frágil.
Ao grito: Pessoal atem o pão!
Ai! Como eu era feliz
Mesmo tombado no chão
Separado da raiz.
Que folga eu dormia, já releiro!
Nem me incomodava a torreira
Até que o almocreve e o moleiro
Vinham buscar-me para a eira.
Vaidoso lá ia eu transportado
Em artísticas carradas piramidais
Para na eira ser alinhado
Muito juntinho em frascais.
Avizinhava-se o fim!
Mas sereno, eu não fraquejava
Antes sentia fremente em mim
Uma oração que exultava.
De fé, de alegria, jamais de tristeza.
É que toda a minha vida
Fora um carreiro de amor
Onde até a própria dor
Se transformava em cantiga.
Essa gente camponesa
Ai como me pulsava forte
No âmago de cada espiga.
Gente de corpo inteiro!
No seu todo não sei que chama
Lembram-me o audaz guerreiro
Que combatia a mourama.
Hoje é um engenho mecanizado
Que me semeia sem ternura, à deriva
E na primavera sou mondado
Com química tóxica, nociva.
Criado numa imensidão
Onde só o silêncio fala
Ao meu berço de solidão
Nem uma cantiga o embala.
Até que a máquina gigantesca, infernal
Cai sem piedade sobre mim
Ceifeira! Chamam àquele monstro sem alma
E eu revoltado perco a calma
Porque lhe chamam assim.
Ceifeira! Como a camponesa gentil
Ai, meu tormento desafiado
De franjas daria mil.
Tentando que o pobre não percebesse
Que como ele eu chorava
Digo-lhe: esquece o passado, esquece
Todo o mundo é composto de mudança
Já um grande poeta cantava.
É o progresso meu amigo.
Longos anos tolhido
Liberto fez ouvir a sua voz
Bom? Mau? Não sei, não to sei dizer
Eu só sei que por vezes faz doer
A seres assim como nós.
Poetas de Peroguarda
Virgínia Maria Dias nasceu a 16 de Agosto de 1935, no Alentejo. Filha de camponeses concluiu apenas o ensino primário. Abandonou a escola (e o sonho de ser professora) aos onze anos, para trabalhar no campo e ajudar a família a criar os irmãos. Ao trabalho do campo e ao conhecimento da terra, cedo juntou o amor pelas palavras e pelo canto. Nas suas próprias palavras: "foi esse dia camponês que me ensinou a ser poeta".
Poesia retirada de Isaurinda Brissos
Biografia retirada da Faculdade de Letras
Imagem de Veríssimo Dias
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