27.8.09

Maria do Rosário Pedreira



Vieste como um barco carregado de vento, abrindo
feridas de espuma pelas ondas. Chegaste tão depressa
que nem pude aguardar-te ou prevenir-me; e só ficaste
o tempo de iludires a arquitectura fria do estaleiro

onde hoje me sentei a perguntar como foi que partiste,
se partiste,
que dentro de mim se acanham as certezas e
tu vais sempre ardendo, embora como lume
de cera, lento e brando, que já não derrama calor.

Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar
o dia inteiro, como os pescadores fazem com as redes;
e não existe no mundo cegueira pior do que a minha:
o fio do horizonte começou ainda agora a oscilar,
exausto de me ver entre as mulheres que passeiam
no cais como se transportassem no corpo o vaivém
dos barcos. Dizem-me os seus passos

que vale a pena esperar, porque as ondas acabam
sempre por quebrar-se junto das margens. Mas eu sei
que o meu mar está cercado de litorais, que é tarde
para quase tudo. Por isso, vou para casa

e aguardo os sonhos, pontuais como a noite.



de O Canto do Vento nos ciprestes, Gótica, Lisboa 2001
Imagem: Emrah Icten

4 comentários:

Anónimo disse...

continuas em grande, em muito grande plano, minha amiga.

Cristina Fernandes disse...

Na minha modesta opinião é a poetisa viva que melhor ilustra a língua de Camões.
"Nenhum Nome Depois" é um dos melhores livros de poesia de sempre, assim como "O Canto do Vento nos Ciprestes"...
Parabéns pelo seu espaço, um dos que sigo com prazer.
Abraço
Chris

Nadir disse...

olá kim. tu é muito simpático comigo, obrigado amigo.


beijos

m.m

Nadir disse...

Estamos de acordo Chris, eu também gosto muito desta poetisa e tenho vários livros dela. Costumo lê-la sempre que me encontro em meditação comigo mesma.

volte sempre


margarida