Antes que a noite esfrie e no céu de lava se apague a estrela d'alva, ó amado, ainda outra vez, se o desejares, darás forma ao meu corpo, abraçarás minha cintura de água e levantarás o cerco à ilha em que me deito para o amor.
Ouve-se ao longe o mar.
As ondas quebram trazidas pelo ardor salgado das areias e, nas praias escuras do meu ventre, ajoelharás, amor, para entoar o salmo, entregue à voz onde ressoa a medo o tremor vago das marés.
Na distante enseada do meu ser, pelas minhas pernas subirá então o fogo de heras que o cristal do dia acomodou no teu olhar, levado pelo vento em que descalça caminhei deixando atrás de mim o odor a resina e ervas dos meus braços.
Saberás mais tarde, ó amado, como passo a passo nas dunas se inicia a febre dos cavalos, as crinas ardem e se espalha pelo rosto o rumor brando do chicote nos meus cabelos ruivos.
Como nas minhas mãos se alonga a harmonia rósea do búzio e o nome das coisas se perde esquecido da flor do alabastro.
Chega sem eco a voz da concha inabitada, sem direcção o perfume casto da essência amanhecida, sem rumo a proa que a sombra dilui no balouçar dolente dos meus ombros.
Como cidades avistadas do céu pelo voo do açor, ao largo pairam serenas outras ilhas.
Os veleiros cortam sem pressa os negrumes do coração, com seus mastros em chama aproximam do fundo a vibração das ancas no encordoado nó dos pulsos que a salsugem cingiu de alvura à leveza dos seios.
Não fosse esse segredo antigo o meu segredo, esposo, e jamais, jamais o sangue de rosa tocada pelo amor consentiria ao linho essa nudez clara de sombra que se ausenta.
A fronte que, em sonho, de mirto a tua boca, beijo a beijo, ornamentou, é agora a taça escura, ó amado, que os frios lábios queima; a ara onde repousa a grinalda que, de bosque em bosque, todas as virgens procuram; o sarcófago que o marfim sempre por ti aos deuses confiou.
O cardo que, ao longo das veredas, guardou para mim o sol do meio-dia, levar-nos-á à fonte de água viva onde por ti esperei, amado, para morrer.
Não sei, por isso, de que jardim regressas quando o luar sobe a falésia e o teu gemido me diz que a escolta do rei adormeceu à luz coada do palmar por onde corre o mel que os deuses embevecidos depuseram na terra para que a derradeira núpcia nos reunisse no abraço inicial, o primeiro que o alvorecer trará de volta ao nosso leito depois do fim.
Ouve-se ao longe o mar.
As ondas quebram trazidas pelo ardor salgado das areias e, nas praias escuras do meu ventre, ajoelharás, amor, para entoar o salmo, entregue à voz onde ressoa a medo o tremor vago das marés.
Na distante enseada do meu ser, pelas minhas pernas subirá então o fogo de heras que o cristal do dia acomodou no teu olhar, levado pelo vento em que descalça caminhei deixando atrás de mim o odor a resina e ervas dos meus braços.
Saberás mais tarde, ó amado, como passo a passo nas dunas se inicia a febre dos cavalos, as crinas ardem e se espalha pelo rosto o rumor brando do chicote nos meus cabelos ruivos.
Como nas minhas mãos se alonga a harmonia rósea do búzio e o nome das coisas se perde esquecido da flor do alabastro.
Chega sem eco a voz da concha inabitada, sem direcção o perfume casto da essência amanhecida, sem rumo a proa que a sombra dilui no balouçar dolente dos meus ombros.
Como cidades avistadas do céu pelo voo do açor, ao largo pairam serenas outras ilhas.
Os veleiros cortam sem pressa os negrumes do coração, com seus mastros em chama aproximam do fundo a vibração das ancas no encordoado nó dos pulsos que a salsugem cingiu de alvura à leveza dos seios.
Não fosse esse segredo antigo o meu segredo, esposo, e jamais, jamais o sangue de rosa tocada pelo amor consentiria ao linho essa nudez clara de sombra que se ausenta.
A fronte que, em sonho, de mirto a tua boca, beijo a beijo, ornamentou, é agora a taça escura, ó amado, que os frios lábios queima; a ara onde repousa a grinalda que, de bosque em bosque, todas as virgens procuram; o sarcófago que o marfim sempre por ti aos deuses confiou.
O cardo que, ao longo das veredas, guardou para mim o sol do meio-dia, levar-nos-á à fonte de água viva onde por ti esperei, amado, para morrer.
Não sei, por isso, de que jardim regressas quando o luar sobe a falésia e o teu gemido me diz que a escolta do rei adormeceu à luz coada do palmar por onde corre o mel que os deuses embevecidos depuseram na terra para que a derradeira núpcia nos reunisse no abraço inicial, o primeiro que o alvorecer trará de volta ao nosso leito depois do fim.
O Beijo Irreparável da Matéria de A Biblioteca de Alexandria,Col. O campo da Palavra,Editorial Caminho, 2002
Imagem:B READ
2 comentários:
Com este reiniciar depois do fim, mais nenhuma parte de mim morrerá.
blue
abraço blue
m.m.
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